Só porque você é paranóico não significa que eles não estão atrás de você
Grandes corporações, feeds de notícia e as mutações na dimensão do sensível.
A sensação de ter o mundo na palma da mão definitivamente não condiz com a constatação de não ter a vida inteira pela frente.
Isso inunda minha mente sempre que percebo há quanto tempo estou rolando o feed de publicações do instagram sem ter chegado a lugar nenhum.
Não consigo deixar de lado a ideia de que talvez estejamos observando o surgimento de uma nova e profunda angústia: a percepção de que nossa expectativa de vida é menor que as aspirações socioculturais prometidas pela tecnologia.
Carros voadores, teletransporte e colônias espaciais? Nada disso. O século 21 trouxe apenas pequenas telas e grandes corporações.
Em parte, é como Joseph Heller disse em seu romance Catch-22: só porque você é paranóico não significa que eles não estão atrás de você.
A rolagem (que palavra, não?) de feed, a retenção das nossas emoções e a transformação de nossos hábitos e interesses em dados é a receita para um tipo de vício nunca antes visto: o vício on demand, um VOD personalizado, destinado a atender com precisão às necessidades sociais de cada sujeito por meio do algoritmo.
Essa é a grande ironia do vício em rolagem: somos seduzidos pela esperança da novidade, mas a esperança, por definição, é irresoluta, casta e pressupõe uma não-realização.
Nas palavras de Baumann, o desejo não deseja satisfação. Ao contrário, o desejo deseja o desejo.
Talvez estejamos vivendo a aurora de novos ídolos. Não mais um salvador que desceu dos céus, mas uma entidade tecnologicamente pulverizada pela rede mundial de computadores e sua promessa de satisfação alimentada pela vontade de querer mais.
É por isso que os estudos mais recentes sobre o vício em redes sociais usam o termo ubiquidade tecnológica para se referir ao caráter etéreo de nossa relação com o mundo virtual: A internet foi de modems caros e barulhentos a uma entidade onipresente e incontornável.
Como cada algoritmo é uma corruptela da subjetividade daquele que lhe fornece os dados, a cultura morre com o século 20 para ressurgir fracionada e mutante no século 21.
Não temos mais um cânone cultural, só a entrega imediata de novas partículas de vídeo, novas partículas de música e textos acessórios.
O manual básico de compreensão da história do mundo por meio das artes hoje soa como uma velharia: meus colegas de 18 e 19 anos do curso de Psicologia não assistiram Tempos Modernos, não ouviram Beatles e não sabem quem foi Clóvis Bornay.
Ok. Peguei pesado com Clóvis Bornay, mas pode substituí-lo por Franz Kafka. É só que eu não queria terminar este texto num acorde triste…
FODA