"O Dragão de Aço", meu próximo gibi
Um breve relato sobre a produção da minha próxima HQ, que sairá pela Mau Gosto Corporations!
Esta semana cheguei à metade do meu próximo gibi. Será o oitavo volume da coleção Mau Gosto Comics, da editora Mau Gosto Corporations. Se chamará “O Dragão De Aço”. A história mistura a trama de clássicos do cinema B da década de 1980 com uma pitada de sacanagem recifense: as trajetórias do policial disfarçado Steel Vas e a do secular Feiticeiro Linguiça se cruzam quando a filha do dono do melhor restaurante chinês da cidade, o Kim Sam, é dada como desaparecida.
O protagonista Steel Vas é baseado no meu amigo Steel Vasconcellos, uma pessoa real, mas que poderia muito bem ter sido inventada tamanho é o seu compêndio de excentricidades e maluquices. Não quero revelar muito sobre ele pra não estragar a vindoura experiência dos leitores. Da mesma forma, o Feiticeiro Linguiça é uma reinterpretação do vilão da série de filmes Warlock - O Demônio, vivido pelo ator Julian Sands, que, apesar de ser um personagem cinematográfico, poderia facilmente ser um cara real. Sands morreu recentemente quando inventou de, aos sessenta e cinco anos de idade e totalmente desacompanhado, fazer uma trilha ao redor de Hollywood Hills e desapareceu por cinco meses até que uns jovens montanhistas acharam o que restou de seu corpo. Dessa, o feiticeiro não se recuperou, hein? São coisas da vida, como diria Kurt Vonnegut.
Por sinal, outra coisa que também jamais se recuperou foi o restaurante chinês mais famoso do meu bairro, o Kim Sam, que há quatro anos está desfigurado e decadente após uma briga entre o dono, Senhor Li, e o arquiteto responsável pelo projeto do salão e fachada do local. Por três décadas aquele lugar era mais que um mero restaurante. Com uma frente digna de qualquer filme do estúdio Shaw Brothers e uma decoração altamente propícia a encontros do alto escalão da máfia chinesa, com direito a dragões dourados e uma iluminação neon, ele demarcava geográfica e simbolicamente a entrada de Setúbal, que é o último bairro de Recife antes da fronteira com Jaboatão dos Guararapes. Durante a pandemia, porém, Senhor Li brigou feio com o cara que projetou aquilo tudo, diga-se de passagem há 30 anos, e, mostrando que ele é um chinês tremendamente rancoroso e brutal, em retaliação, demoliu a fachada do próprio restaurante pra apagar da história aquilo que havia sido a obra da vida do tal arquiteto. Poucas vezes vi uma vingança tão peçonhenta, fria e cruel.
Esse negócio gerou um grande bafafá e despertou a revolta da população setubalense, inclusive de ninguém mais, ninguém menos que do próprio Steel Vasconcellos, um grande entusiasta do local. Depois que todas essas merdas aconteceram, precisei eternizar o visual clássico do Kim Sam na minha história em quadrinhos. Em 2014, eu já havia feito um retrato da fachada que vendeu mais que banana na feira aqui no bairro e dá até pra dizer que foi o meu primeiro desenho que serviu pra alguma coisa.
CHIBATADAS GRÁFICAS
Quando Carranza (Pablo Carranza, dono da Mau Gosto) me convidou pra desenhar um gibi pra sua editora, ele não deu muitas diretrizes, mas fez questão de especificar que queria meu traço igual ao traço de Cornan - Chifre & Castigo, gibi que eu lancei no ano passado em parceria com a Escória Comix.
Cornan tem uma estilização de desenho diferente dos meus trabalhos anteriores, Una Gira En Sudamerica Com O Conjunto De Música Clinge Merda(2023) e Edf. Conhárius (2022) (onde usei exclusivamente lápis 6B), porque foi todo finalizado no pincel e quase não tem retículas. O lance é que eu odeio a arte de Cornan. Não é que ela sejam ruim, é que ela foi feita sem os materiais adequados e o álbum inteiro de 100 páginas foi desenhado em um mês para que eu e Lobo (Ramirez, editor da Escória Comix) pudéssemos lançá-lo no FIQ 2024.
Dessa forma, quando comecei a desenhar o Dragão de Aço, foi necessário fazer algumas melhorias e estabelecer algumas novas regras no processo de produção das páginas…
Assim como em Chifre e Castigo, todos os layouts foram criados em folhas de papel chamequinho cortadas no tamanho A5. Primeiro, linhas básicas em grafite azul, depois linhas mais ou menos básicas (hahaha) em grafite 6B. O resultado do “lápis final” é extremamente xexelento, mas é o suficiente.
Chega então a primeira de duas etapas de escaneamento do material. Importo pro photoshop essas páginas nojentas feitas em lápis 6B, ajusto o tamanho ou, em alguns casos até mesmo a ordem de um ou outro quadro, reduzo a opacidade e imprimo o resultado numa impressora jato de tinta alimentada com tinta pigmentada (não borra na água) e papel canson para desenho, branco, 200g.
Para a arte final, quase não tem mais pincel. Uso canetas de nanquim descartáveis unipin 0.1, 0.3, 0.5, brush e uma pentel brush pen. Essas canetas fininhas dão um nível de detalhamento extremo e preciso uma vez que desenho tudo no formato A5. Fazia dez anos que não usava canetinhas e agora estou novamente apaixonado. Qualquer dia desses eu enfio uma delas no rabo de tão prazeroso que tem sido usá-las na arte-final das páginas.
O que não vai dar pra enfiar, porém, são as minhas novas retículas digitais extra-finas, que fiz especialmente pra usar no Dragão. Acho que meu trabalho ganha muito com o meio-tom, então propus a Carranza pra gente usar alguns tons de cinza na divisão dos planos da composição de cada quadro, mas ele preferiu que, ao invés do cinza puro, eu reticulasse tudo. Acho que funcionou. Ele sabe o pede.
E, por fim, como Dragão é uma sátira do cinema B de ação e terror dos anos 80, ele tem muitas cenas de ação. Eu AMO desenhar cenas de ação porque é aí que dá pra enfiar todo tipo de grafismo e experimentação. Não há limites aqui: linhas de ação feitas com régua, corretivo branco, escovas de dente espirrando tinta preta, diagramações estilizadas, etc. É bondimai, Juniu!
Fiquem aí com uma página e até a próxima.
Umas das melhores coisas que li esse ano, sem sombra nas dúvidas! Muito firme mesmo.
LINDO