Eiji Tsuburaya, o japonês cristão que deu o troco na bomba atômica (versão full golden prime vip)
A trajetória do mago dos efeitos especiais responsável por criar o Godzilla e o Ultraman.
O texto a seguir é a versão full golden prime vip (ou seja, a versão completa, com o dobro do tamanho e antecipada) da matéria que será publicada no instagram do Elefantes Na Sala (@elefantesnasala) amanhã, 28/03.
Isso aqui é uma adaptação da matéria Efeitos: de onde saíram os monstros?, que eu publiquei na Revista Continente, em 2014, no início da minha carreira.
Na época, eu era tão ligado nesse assunto, que até dediquei o meu trabalho de conclusão de curso de Jornalismo a investigar os meandros da ficção científica japonesa. É claro que não comi ninguém por isso, mas foi divertido.
Presente na infância de gerações, a imagem de um monstro gigante de látex e fibra de vidro destruindo uma cidade de papelão se tornou universal. Pensar nesta cena hoje em dia é como encontrar uma brecha no tempo, por onde é possível reviver, mesmo que por alguns instantes, a aurora da vida. Uma lembrança inocente cuja gênese se deve ao trabalho do japonês Eiji Tsuburaya, grande inovador da área de efeitos especiais e que ajudou a definir os rumos da ficção científica mundial.
Natural de Sugasawa, na região de Fukushima, no Japão, Tsuburaya nasceu em 7 de julho de 1901. Sua relação com a arte começou na adolescência, por meio do interesse pela fotografia e pelo aeromodelismo. Na década de 1920, estabeleceu o contato direto com o cinema, atuando como cinegrafista do estúdio Shochiku. Em 1933, porém, impactado pelo lançamento do clássico norte-americano King Kong, Eiji enveredou pelo caminho dos efeitos especiais definitivamente.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Tsuburaya já havia refinado tanto a sua técnica de construção e filmagem de miniaturas e maquetes, que, graças aos vídeos de propaganda militar extremamente realistas criados para o governo japonês por sua produtora independente Tsuburaya Visual Effects Research, o cineasta chegou a ser investigado pelos EUA após o final dos conflitos. Quando o período da ocupação norte-americana foi encerrado, no início da década de 1950, Eiji ingressou no estúdio Toho, onde ele faria história mais uma vez.
Em março de 1954, um navio de pescadores japoneses, o Daigo Fukuryu Maru, foi bombardeado por cinzas radioativas oriundas de um teste nuclear realizado pelos EUA a poucos quilômetros dali. Aikichi Kuboyama, operador de rádio da embarcação, morreu implorando para que fosse a última vítima de uma explosão nuclear. Esse episódio motivou o estúdio Toho a iniciar as filmagens de um longa que metaforizava os traumas da guerra atômica na figura de um monstro gigante. O longa era Godzilla, de 1954, e o encarregado de criar o visual da criatura foi Eiji Tsuburaya.
Godzilla, ou, no original japonês, Gojira, se tornou uma franquia de sucesso mundial, relevante até hoje. Tsuburaya, no filme de 1954, introduziu o Suitmation, técnica que consistia em vestir um dublê de monstro e fazê-lo atuar sobre um cenário montado em escala reduzida, filmado em câmera acelerada e desacelerada na pós-produção. Inicialmente, essa linguagem foi desenvolvida para suprir a escassez de recursos necessários ao Stopmotion, tradicional nas produções americanas da época, vide o próprio King Kong de 1933, mas acabou ganhando vida própria.
Em 1963, após trabalhar em diversas outras produções semelhantes a Gojira, Tsuburaya enxergou na recém chegada televisão ao Japão uma possibilidade de expandir seus horizontes. Então, ele funda a Tsuburaya Productions, estúdio voltado para a produção televisiva, com foco na ficção científica. Sua criação máxima se trata da série Ultraman, que fundamentou as bases da cultura pop japonesa, foi transmitido no Brasil em 1968 pela Rede Tupi e reprisado por diversas emissoras nas décadas seguintes.
Voltado para o público infantil, o seriado contava as aventuras de um alienígena que, após cair na Terra, passa a dividir o corpo com o oficial Shin Hayata, membro do grupo de defensores da humanidade Patrulha Científica. A série foi um sucesso imediato. As poses, o rosto e a figura do extraterrestre Ultraman se tornaram símbolos quase onipresentes na cultura japonesa. Em 2015, Ultraman entrou para o livro dos recordes como o produto cultural com o maior número de spin-offs e derivações da história.
Cristão católico, Eiji Tsuburaya faleceu em 25 de janeiro de 1970, vítima de um ataque cardíaco fulminante. Seu legado segue preservado pela família. Obras como o filme Godzilla Minus One, de 2023, ganhador do Oscar de Efeitos Especiais, é uma prova disso. O impacto cultural da obra de Tsuburaya, que rompeu as fronteiras do Japão e se instaurou em todo mundo, lhe rendeu a alcunha de Pai Do Tokusatsu, palavra japonesa que designa os filmes de efeitos especiais produzidos na Terra do Sol Nascente.
ULTRAMAN - um seriado bem doido mesmo!
Quando a Tsuburaya Productions lançou Ultraman, em 1966, era impossível imaginar que estava sendo demarcado o início de um fenômeno cultural ainda hoje influente. Na época, Eiji Tsuburaya havia fundado sua produtora própria há pouco tempo. O futuro era incerto.
Ultraman estreou em 17 de julho de 1966 e foi a segunda série da televisão japonesa transmitida à cores. O orçamento era o de um pastel e um caldo de cana. Tudo era fuleiro. Maquetes horríveis, fantasias derretidas, gambiarras por todo lado e muita coisa reciclada episódio a episódio. A sua premissa básica, de um alienígena super-poderoso que vem à Terra, se disfarça de humano e protege o planeta de monstros e demais ameaças, porém, já era meio caminho andado rumo ao sucesso…
Vinte e oito anos antes, em 1938, Jerry Siegel e Joe Shuster, dois judeus nova iorquinos que se fuderam profundamente com uma tratativa comercial envolvendo a editora DC Comics, então National Comics, e um cheque de cento e trinta dólares, tinham criado nada mais, nada menos que o Superman, personagem que imprime dinheiro em merchandising até hoje.
Dito isso, Ultraman teve só 39 capítulos, mas uma das maiores audiências da história do Japão. Originalmente transmitida às 19h, horário ideal para pegar a criançada na volta da escola, a série se tornou um marco na rede televisiva Tokyo Broadcast System (TBS). Em 1967, consolidada pelo sucesso da primeira série, a Tsuburaya Pro, já montada na grana, tirou um tempo para produzir sua nova empreitada, o Ultraseven.
Dessa vez voltado para o público adulto e recheado de experimentações técnicas, Ultraseven tinha uma trama e visual muito parecidos com seu predecessor, mas totalmente independente narrativamente. Às vezes, essa porra desse seriado parece um filme de Stanley Kubrick de tão estilosa que é a fotografia. Foi um sucesso absurdo, maior que o de Ultraman, e aí, meus amigos, a história foi feita pela última vez.
Após a morte de Tsuburaya em 1970 e a presidência da Tsuburaya Productions passada para seu filho, os japas investiram pesado na criação de novas séries, apostando em aparições de antigos protagonistas e em longas-metragens para o cinema. Entre bons e maus momentos, já foram mais de 30 seriados sob a patente "Ultra" e uma caralhada de imitadores e derivados, o que levou à criação de uma complexa e irrelevante mitologia para todos que não sejam garotinhos inocentes de 40 anos.
No Brasil, essa estética chamada de Tokusatsu foi muito popular entre a minha geração e a geração anterior, que, sem TikTok, dependia da Rede Manchete de Televisão para se divertir. Num tempo onde a punheta era difícil e as tardes eram infinitas, séries nascidas do legado de Tsuburaya tipo Jaspion, Jiraiya e Kamen Rider Black, além do próprio Ultraman, faziam a nossa alegria. Foi bom enquanto durou.
EU AMO MUITO O TSUBURAYA E TODAS AS SUAS CRIAÇÕES <33333333333333